terça-feira, 15 de novembro de 2011

O VALOR DO DETALHE

            Ensina Ricardo Nobalt que os jovens profissionais não devem desprezar jamais a riqueza dos detalhes – por menores que sejam – porque neles pode estar a chave de uma grande matéria. Mas só repara em detalhes quem desenvolve um excepcional poder de percepção, um padrão elevado de sensibilidade. Em algumas escolas de jornalismo dos EUA ( como em Berkeley) os estudantes de jornalismo são levados a recitarem obras de Shakespeare e a ouvirem música clássica, como forma de treinar a sensibilidade.
            Segundo o autor, é melhor o repórter pecar por excesso de informação ( a ponto de ter que jogar algumas no lixo se o espaço que lhe couber for insuficiente) do que por falta de detalhes na apuração de uma matéria. Para destacar a importância do detalhe, lembra que a quantidade de álcool que os jovens de classe média usaram para atear fogo no indio Galdino, em Brasília, um litro, foi determinante na condenação deles. Imagine-se se a imprensa não tivesse registrado a quantidade corretamente por preguiça de apuração?
            “A importância de um fato é que determina a extensão de uma notícia. Mas, mesmo uma notícia de umas 30 linhas ganhará mais credibilidade se o repórter contá-la em detalhes”, ensina Ricardo Noblat.
            É preciso ficar claro que registrar detalhe numa apuração dá muito trabalho. Mas é o que faz a diferença num universo em que os jornais são todos iguais, de norte a sul do país, porque assinam as mesmas agências e publicam as mesmas manchetes e até a mesma foto. Quando o “detalhe” é gente, então o repórter precisa ficar ainda mais esperto. Afinal, “gente” não é detalhe, é sujeito da história. O autor cita o exemplo hipotético de uma mulher (Maria José da Conceição) que é barrada num show de Gilberto Gil, no Canecão, porque chegou atrasada devido ao trânsito. Ensina que personagem de matéria não pode limitar-se a um nome: Quantos anos tem Maria José? O que ela faz na vida? É casada ou solteira? Tem filhos? É gorda e baixinha ou alta e magrinha? Onde mora? Como estava vestida? Falava em voz alta ou em voz baixa?
            Respostas a tais detalhes dão vida a um personagem e permitem que os leitores se identifiquem com ele. Afinal, gente gosta de ler histórias sobre gente, diz Noblat.
            Apurar detalhadamente tem a ver com a explicação dos fatos ao leitor. É o que o Novo Jornalismo dos anos 60 chama de “interpretação”. O bom profissional foge do “denuncismo”, isto é, das denúncias sem provas. Não basta o truque de “ouvir os dois lados” e depois lavar as mãos. O leitor quer muito mais, quer as origens, as causas do fato, as conseqüências, os resultados dele. Tudo isto significa apurar com responsabilidade.
            Para chegar ao fundo da questão, o repórter deve duvidar da primeira informação que recebe. Deve pesquisar melhor, confirmar com outras fontes, checar a informação, ler documentos e publicações de nível a respeito, buscar a verdade – sempre através de mecanismos legais e lícitos – sempre lembrando que “nada é como parece”, pois não existe verdade absoluta. É preciso ser cético.
            (Na hora da  entrevista, segundo Noblat, nem sempre o gravador ajuda. Muitas vezes ele inibe o entrevistado e desliga o entrevistador que passa a se preocupar apenas com o funcionamento da máquina, sem prestar atenção no andamento da entrevista. Também aconselha que se mude de assunto quando o entrevistado ficar nervoso com uma pergunta, reformulando-a mais à frente. O melhor é fazer antes as perguntas que ele gostaria de responder).
            Ao confirmar notícias oficiais, o repórter deve tomar cuidado porque “todo governo mente”. Afinal, informação é poder. O bom profissional deve desconfiar de toda e qualquer informação de fontes oficiais, checando-a à exaustão.
            Sobre as informações em off, Ricardo reconhece que o jornalismo não pode passar sem elas. Mas acha que toda informação em off só deve ser publicada depois de checada com outra fonte. Mesmo que a confirmação também seja em off.
            De qualquer forma, o bom profissional jamais quebrará o acordo feito com a fonte, mesmo quando isto o levar a perder o emprego ou mesmo a ir para a cadeia. O respeito à fonte é questão de ética. Boas fontes de informação são o capital mais valioso de um profissional da imprensa. Entretanto, Noblat admite que o editor do jornal tenha o direito de saber quem é a fonte para avaliar o peso da declaração. Afinal, se o repórter não puder confiar no chefe dele, como o chefe confiará no repórter?
            Quem consegue mais detalhes para produzir uma boa matéria, nem sempre é o repórter mais inteligente. Noblat cita o jornalista Elio Gáspari, seu colega de “Veja”, para lembrar que “repórter bom é repórter burro”, isto é, aquele que não tem vergonha de perguntar. Ele pergunta, pergunta, pergunta e volta para a redação com todas as dúvidas esclarecidas.

(Pedro Celso Campos – ex-redator do “Correio Braziliense” e ex-editor de cidade do “Jornal de Brasília” – é Professor MS do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Unesp/Bauru.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário